Jovens nas bets são sintoma, e não causa do problema, diz especialista
Por Gabriel Medina, consultor do 1MiO e secretário nacional de Juventude (2015-2016), especial para a coluna de Rodrigo Ratier no Uol
Em nossa sociedade, a juventude é historicamente vista como problema ou como futuro, é um vir a ser que não se valoriza no presente. É comum escutarmos críticas do mundo adulto em relação aos jovens, caracterizados como uma geração hedonista, perdida, que só fica no celular, que não produz nem estuda e, agora, ao que parece, ainda seria um dos focos do problema das apostas que acometeu nosso país nos últimos meses.
Em pesquisa do Instituto Locomotiva, 46% dos usuários das bets (apostas esportivas on-line) são jovens entre 19 e 29 anos. É quase metade do total. Os jovens das classes C, D e E representam três quartos desse contingente. Um terço dos que apostam está endividado e com nome sujo, informa a sondagem, repercutida pela coluna Painel S.A. da Folha.
Trata-se de uma geração que nasce com a tecnologia na mão. Há a disputa constante das telas, especialmente dos celulares, por sua atenção e seu tempo. O crescimento de problemas relacionados às emoções e à saúde psicológica dos jovens é perceptível nas escolas e nos serviços de saúde mental.
Preocupa que os adolescentes venham sendo alvo do marketing das plataformas de jogos, inclusive atuando como divulgadores em plataformas online como o TikTok, com influenciadores mirins.
Estudo conduzido pelo Unicef, a agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para a infância, indica alta adesão de jovens ao ato de apostar. A sondagem mostra que um em cada cinco adolescentes jogou pela primeira vez aos 11 anos ou menos.
Vale a pena perguntar: o que faz com que os jovens, especialmente os pobres, apostem nessas plataformas?
A resposta tem a ver com as alternativas de futuro que a sociedade tem apresentado —ou deixado de apresentar— às novas gerações.
Dificuldades construídas pelos mais velhos
Vivemos o estágio mais violento e nocivo do desenvolvimento do neoliberalismo, com um processo de concentração de renda nunca visto, com a explosão da violência urbana, o desemprego e a precarização do trabalho. A face mais visível é o trabalho em plataformas e aplicativos de comida e transporte.
Os jovens são expressão do que a sociedade vem produzindo, e não a causa.
Eles refletem problemas e dificuldades construídos pelos mais velhos. Estão cada vez mais expostos a barreiras na transição da escola para o trabalho, percebem que o futuro está sob risco com o aquecimento global e as tragédias climáticas e que, apesar do avanço tecnológico, não há redução de jornada de trabalho —as oportunidades, em sua maioria, são informais e não garantem a sobrevivência com dignidade.
De outro lado, vende-se a ideia de que vale a pena ganhar dinheiro a qualquer custo, de que a felicidade se conquista com o ter, de que basta se esforçar ou acreditar em Deus que tudo dará certo. É o capitalismo contemporâneo sustentado por pirâmides financeiras fraudulentas e pitadas de messianismo da prosperidade.
Não é surpreendente que as apostas sejam um campo fértil para os jovens. Diante do risco iminente da ausência de futuro e de uma ideia de esforço de anos a fio que não rende êxito, é melhor arriscar e ter um lugar ao sol, ainda que por pouco tempo, do que viver nas sombras.
Aliás, isso não é novidade: basta olhar para o quanto o tráfico e o crime seguem aliciando os mais jovens nas periferias e favelas do Brasil.
Medidas para além da lei atual
O quadro é grave. Novas medidas precisam ser pensadas, para além das já previstas na lei federal 14.790/2023: a proibição de propagandas nos meios de comunicação; restrições mais rigorosas de acesso de adolescentes às plataformas de jogos e aposta; e campanhas de conscientização informando os riscos relacionados a apostas feitas de forma compulsiva.
Do ponto de vista das adolescências e juventudes, é preciso que o tema da educação midiática seja colocado como prioridade nas escolas, colaborando para enfrentar os problemas da segurança do uso de dados, da desinformação e das fake news, estimulando o desenvolvimento da criticidade dos jovens no uso de tecnologias e plataformas, inclusive de jogos e apostas online.
Também é preciso levar a sério a educação financeira, que pode ajudar as novas gerações a lidar com estratégias de planejamento dos recursos financeiros seguros e contribuir para dar suporte aos seus projetos de vida. O tema ganha relevância com o programa Pé de Meia, do Ministério da Educação, que garante poupança para os jovens de baixa renda na conclusão de cada ano do ensino médio.
Os dados evidenciam a necessidade de uma estratégia nacional de interrupção do ciclo da pobreza, que deve ter os jovens como principal público, por conta de sua capacidade de romper com uma história de ausência de direito das famílias, com ampliação da escolaridade e empregos de maior qualidade. É central que essa política objetive retirar os jovens do programa Bolsa Família ou mesmo de ações de transferência de renda como o Pé de Meia, o que só pode ser realizado com a elevação da renda das novas gerações.
É preciso mudar as políticas de transição da escola para o trabalho, em especial dos jovens de baixa renda, no sentido de acolher e amparar projetos emancipados dos jovens, bem como a ampliação de oportunidades de acesso ao ensino superior ou técnico de qualidade.
Devemos conceber políticas de trabalho e emprego que garantam a inserção dos jovens em programas de aprendizagem, mentoria para orientação profissional e suporte e acesso a empregos estáveis e formais
É necessário, enfim, construir condições para que os jovens criem e se realizem, não os deixando à própria sorte com a inserção na informalidade, num empreendedorismo de sobrevivência ou na mão das apostas.
*Gabriel Medina é psicólogo e mestrando em ciências humanas e sociais na UFABC. Foi secretário nacional de Juventude (2015-2016) e presidente do Conselho Nacional de Juventude (2011-2012).